Com a sanção da Lei 14.973/2024 pelo presidente Lula, o governo federal planeja acabar gradualmente com a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia. A medida visa compensar as perdas fiscais causadas pela desoneração, mas um ponto específico da lei tem gerado controvérsias: a incorporação, pelo Tesouro Nacional, de recursos não movimentados por pessoas físicas e jurídicas em instituições financeiras nos últimos 25 anos — o chamado “dinheiro esquecido”.
Segundo o advogado especializado em direito tributário e sócio administrador da Andrade Maia Advogados, Fabio Brun, a forma como o governo busca apropriar-se desses recursos pode ser interpretada como confisco, o que, de acordo com ele, vai contra o que é previsto na Constituição Federal.
“Há uma espécie de transferência compulsória desses bens não movimentados. Isso se caracteriza como confisco, que literalmente quer dizer apreender bens em prol do Fisco. Isso só pode acontecer em raríssimas hipóteses, de acordo com a Constituição Federal, como em casos de delito ou desapropriação com justa indenização, o que não é o caso aqui”, ressalta Brun.
Além da questão do confisco, o advogado critica o fato de o governo federal não ter feito um esforço para entrar em contato diretamente com os proprietários desses recursos, embora existam mecanismos para isso. “O governo tem condições de localizar os titulares desses recursos, assim como faz quando é do seu interesse, seja para conceder ou caçar algum benefício”, pontua.
Impacto nas pessoas mais pobres
A falta de interesse do governo em buscar os titulares desses valores é outra crítica feita por especialistas. Guilherme Di Ferreira, advogado tributarista e diretor adjunto da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO, destaca que as pessoas com menos instrução e acesso à internet são as mais prejudicadas pela medida.
“O governo simplesmente anunciou que haveria um prazo de 30 dias para que os valores esquecidos fossem resgatados. Pessoas com menos acesso à informação, especialmente os mais pobres, acabam sendo as principais vítimas dessa falta de comunicação”, afirma Di Ferreira.
O “dinheiro esquecido”
De acordo com dados do Banco Central, os valores esquecidos em instituições financeiras, bancos e cooperativas chegam a R$ 8,5 bilhões. Entre esses recursos, o maior valor disponível para resgate por pessoa jurídica é de R$ 30,4 milhões e por pessoa física de R$ 11,2 milhões.
Prejuízo aos municípios
A incorporação desses valores pelo governo federal não apenas viola normas constitucionais, mas também contraria o Código Civil, o que pode afetar as finanças dos municípios. Conforme o Código Civil, bens esquecidos ou sem dono devem ser destinados aos municípios, não à União.
“As principais irregularidades do governo federal nessa medida são a violação ao direito de propriedade, a transgressão ao Código Civil, que diz que bens esquecidos pertencem aos municípios, e a falta de indenização justa para os proprietários que perderão esses valores”, enfatiza Di Ferreira.
Pelo Código Civil brasileiro, bens sem dono conhecido devem ser devolvidos ao titular e, caso não sejam encontrados, revertidos em favor do município. O descumprimento dessa regra pode prejudicar diretamente as finanças municipais.
Com a nova medida, o governo busca corrigir seu déficit fiscal, mas o debate sobre a legalidade da apropriação dos recursos esquecidos está longe de ser encerrado, já que especialistas questionam sua constitucionalidade e impacto social.